Limite

© Márcia Sanchez Luz



     (Img: Apanhador de sonhos – Vladimir Kush)



Durante meses, anos, se apagou
o brilho da poesia e da canção.
E descontente, então, o coração,
de luto e amarguras se inundou.
O fato é que esta dor já se arrastou
por muito tempo. Basta de aflição!
Não posso mais viver na contramão
de meus desejos – a emoção gritou.
Eu quero da tristeza estar distante,
sentir da vida a leve brisa infinda
que o peito e o corpo todo acaricia.
Como é cruel a dor dilacerante,
que mesmo nunca sendo ela bem-vinda
insiste em ser da vida companhia!

No Dia do Escritor, Leila Míccolis em prosa

Uma de papagaio…
Leila Míccolis

Já notaram como todos têm uma piada ou um “causo” de papagaio para contar? Falar sobre papagaio e futebol é como apresentarmos prova cabal de nossa nacionalidade brasileira. Em geral o que papagaio mais fala é palavrão, porque é incrível a imensa capacidade do ser humano em ensinar ao bichinho aquilo que ele gosta de ouvir. Seja porém por isso ou por aquilo, pela plumagem verde e amarela ou pelo seu jeito desinibido e obedientemente desbocado, o certo é que esta irrequieta ave está sempre presente nos papos de bar ou na boca de quem procura o riso fácil e estereotipado. Tenho um conhecido paulista que toda vez que vem ao Rio traz um repertório novo de piadas deste tipo, e, entre elas, há sempre inúmeras sobre o animalzinho tagarela.
Não vou reproduzir nenhuma delas… até porque não sou fã de anedotas escabrosas ou que transmitem mais preconceitos do que risos (as que ridicularizam mulheres – louras ou morenas, por exemplo -, ou as que zombam de gays, de portugueses, de paraíbas, de negros, etc.). Vou contar, porém, uma historinha verídica que me impressionou muito e que aconteceu há alguns anos com um amigo meu, poeta e crítico literário do Rio Grande do Norte. Para preservar-lhe a privacidade, vamos chamá-lo, aqui, hipoteticamente, de Juliano. Ele morava em uma cidade perto de Natal com a avó, cuja característica principal era ser uma mulher extremamente hipocondríaca. Apesar de relativamente moça e saudável, todas as noites desfiava um rosário de sintomas, todos perigosos, irreversivelmente fatais, e culminava dizendo ao neto: — “Desta noite não passo”.
Na casa, havia um papagaio, muito diferente de todos os outros: era mudo. Jamais falara nada. Por mais que Juliano tivesse tentado ensiná-lo, ele fechava-se em seu silêncio e dele nunca se ouviu um currupacopapaco sequer, mesmo entredentes (ops, entrebico). Aos poucos, meu amigo foi desistindo de ensinar-lhe alguma coisa e, com o correr dos anos, acabou por acostumar-se ao silêncio do “louro”. No entanto, sempre cuidadoso com ele, o rapaz todo dia levava-o para o quintal pela manhã e o apanhava à tardinha, quando voltava do seu trabalho no jornal.
Um dia, porém, devido a um temporal, meu amigo ficou preso na redação do jornal, em Natal, sem ter como se comunicar com a avó (pois em casa eles não tinham telefone e o da vizinha estava com defeito). Por nunca ter cuidado do papagaio, a avó nem se lembrou dele, até porque o animal não reclamava de nada: não piava, não miava nem latia… Quando Juliano voltou para casa, encontrou o papagaio ensopado. Recolheu-o, enxugou-o, mas, de noite, o bichinho começou a tossir muito. A avó, “perita em doenças”, diagnosticou que aquilo era uma gripinha de nada, em dois ou três dias ele estava bom novamente, não era como ela, que estava nas últimas (sempre).
Ao deitar-se, Juliano fez um carinho na cabecinha do papagaio, todo encolhido e murcho. O louro olhou para ele e, pela primeira vez, dirigiu-lhe a palavra, dizendo: — “Dessa noite não passo”. Juliano ficou animado: pelo menos a chuva tinha limpado a garganta de seu amiguinho, ele agora era um papagaio normal, que repetia o que sempre ouvira ao seu redor. No entanto, sua alegria durou pouco. No dia seguinte, o papagaio tinha mesmo “passado”, morrera. Comentário de meu amigo, diante da enorme diferença, no caso, entre as pessoas e os animais:
— “Vovó matraqueia o tempo todo falando em morte, e continua viva. O papagaio, com incrível senso de propriedade, na única vez que falou, mostrou que entendeu direitinho o significado do que ela vive dizendo, e morreu sem desperdiçar uma única palavra. Que bicho mais sábio!…”.


Fonte: Além das Letras – blog de Leila no YuBliss

(Publicado com a autorização da autora)

Morre o escritor Condorcet Aranha

CONTRATEMPO


Condorcet Aranha
29.01.1940 – 19.11.2010

Não sei quando começou o tempo,
Sequer, o tempo que ele durará,
Mas, eu preciso perceber, em tempo,
Qual é o tempo que terei, no tempo,
Para fazer o que pretendo, a tempo.

Não vou passar aqui somente um tempo,
Na infinidade que o tempo tem?
Se aproveitar o tempo e me tornar saudade,
No coração aberto de um outro alguém,
Deixo-o na vida para novo tempo.

Então somando todos nossos tempos,
Se, prosseguirmos a tornar saudade,
Nossas saudades, formarão um tempo,
Por tanto tempo que nem sei contar,
Porque por certo não terei mais tempo.

Então, enquanto não me acaba o tempo,
Até ficar apenas como uma saudade,
Vou me manter no máximo do tempo,
Para aumentar a soma das saudades,
Salvo aconteça, assim… Um contratempo!

Se não deixar meu tempo no antetempo,
Vou consumi-lo até nos entretempos,
Para curtir milhões de passatempos.
Mas, se eu partir no “raio” de um destempo,
Serei saudade, apenas, do meu tempo.

(Poema extraído de sua página pessoal em Blocos Online, onde poderá ser homenageado com a leitura de seus poemas)

Remendos

Comemorando o Dia Nacional do Escritor

Noturno – Joan Miró

Muitos são pequenos excertos
de grandes paixões
de poemas que falam
o que minha boca cala.

Muitos são pequenos remendos
de poucos retalhos
que consegui obter
a duras penas.

Poucos são grandes acertos
que me dispus a contar
nas noites de insônia
nos dias chuvosos
nublados
turvos
frios.
© Márcia Sanchez Luz